I.
Esclarecimentos
preliminares
“O direito não significa certeza ou unanimidade.
Significa dúvida e controvérsia.”
(DIMOULIS, Dimitri.).
Para
Dimoulis, descrever o que é o direito é uma árdua tarefa assim como definir o
que é belo ou correto. Isso porque tanto essas palavras quanto o direito
carregam uma carga emotiva cheia de opiniões e correntes de pensamentos pelas
quais as pessoas defendem. Por esse motivo, trabalha-se uma miríade de possibilidade do
que significa o direito.
Se
fizermos uma análise de várias opiniões, podemos perceber diversas visões
diferentes sobre o que ao certo é o direito. Existem convergências nas
definições, principalmente porque existe uma relatividade
histórica. É necessário reconhecer que cada pensador atribui características
responsáveis pelo tempo e espaço com o qual ele pertence e isso determina o
modo com que o direito é encarado em várias épocas.
Outro
quesito de enorme relevância no estudo da disciplina direito, é a relação de dever ser que o direito estabelece. É
inegável que “o direito é um conjunto de regras e mandamentos que indicam
aquilo que devemos (ou não devemos) fazer.” (DIMOULIS, Dimitri).
E
além de estabelecer esse dever ser, ele é constituído de uma coação. Característica que o distingue
de vários dever ser que a sociedade pode estabelecer. Um médico pode prescrever um
dever ser “pare de fumar”, mas diferente do direito, ele não pode exigir que o
paciente cumpra a prescrição. Já o direito possui legitimidade para aplicação
de sanções negativas que o tornam forte
e ameaçador. Fazendo do direito não apenas um simples mandamento (dever ser),
mas uma exigência constituída de sanção em hipótese de descumprimento.
II.
O
que é o Direito?
De
acordo com Alysson Mascaro em seu livro Introdução ao Estudo do Direito, apesar
dos indivíduos lidarem diariamente com o fenômeno jurídico, poucas pessoas
conseguem descrever a natureza do direito. Mascaro busca demonstrar que aquilo
que hoje conhecemos como direito não é um fenômeno que sempre existiu. Mas um
fenômeno de momentos específicos da história da humanidade. Ou seja, o direito é um fenômeno histórico. Em várias épocas e lugares diferentes se
atribuem ao direito um significado diferente. Na Idade Média, por exemplo, o
direito era inespecífico se misturando com a moral e à religião. No período
pós-modernidade, o direito se apresenta como algo distinto da moral e da
religião.
O
direito passa a ganhar especificidade a partir do capitalismo na Modernidade, às
relações antes estabelecidas por uma relação de dominação direta passam a se
estruturar, após o capitalismo, como um tipo de articulação social que requer
uma espécie de contrato. Cria-se assim o
sujeito de direito. Outro
determinante, também oriundo do capitalismo, é a instância jurídica local onde o Estado se institucionaliza e passa
a regular a subjetividade jurídica.
“No capitalismo, inaugura-se um mundo
de instituições que sustentam práticas específicas de explorações. A célula
mínima de tais estruturas de exploração é a mercadoria.
Uns vendem outros compram. A transação comercial somente se sustenta se
comprador e vendedor forem considerados sujeitos
de direito, isto é, pessoas capazes de se vincularem por meio de um
contrato na qual trocam direitos
subjetivos e deveres. Essa troca
é intermediada pela autonomia da vontade dos sujeitos. A mercadoria acarreta
determinados institutos reputados estritamente por jurídicos.” (MASCARO,
Alysson. Pág. 4)
A qualidade do direito, segundo Mascaro,
reside no modo com o qual o direito, após o capitalismo, é especificado. Antes
disso, não existia uma qualificação dos assuntos jurídicos. Hoje, podemos notar
tais características. Quanto à quantidade
do direito, trata-se da miríade de possibilidades de manifestações
jurídicas na qual o direito moderno abrange.
Mascaro
demonstra também a jurídica e mercantil.
Sendo o direito um legitimador da exploração mercantil. Isto é, a forma
jurídica se vale de elementos que fundamentam a dominação a partir da forma
mercantil.
“O capitalista explora o trabalhador
valendo-se do artifício de que este, formalmente, trabalha para aquele porque
quis, isto é, porque assinou um contrato de trabalho. Ou seja, o vínculo da
exploração advém de um instrumento jurídico. O trabalho só passa a ser vendido
pelo trabalhador por absoluta necessidade, na medida em que ele é afastado dos
meios de produção, mas, formalmente, isso se compreende mediante artifício
jurídico do uso de sua própria vontade. Nascendo as atividades mercantis
capitalistas, nascem juntas as instituições jurídicas que lhe dão amparo.”
(MASCARO, Alysson. Pág. 6)
III.
Definição
descritiva
A
palavra direito pode apresentar diversos significados diferente.
§ Correto,
justo;
§ Faculdade,
poder, direito subjetivo;
§ Conjunto
de normas obrigatórias, direito objetivo; e
§ Ciência
jurídica, fonte de conhecimento jurídico.
IV.
Origem
etimológica
Direito
vem do latim derectum significa reto,
em linha reta, sem desvio. Os romanos não utilizaram a palavra derectum para de designar o fenômeno com
a qual conhecemos hoje, mas após a Idade Média passou a se considerar como
direito.
Se
pensarmos nas principais línguas ocidentais, todas possuem um termo derivado
dessas palavras latinas: em alemão, rechts
e, em inglês, right, derivadas de rectum; em português, direito, em
espanhol, derecho, em italiano, diritto e, em francês, droit, derivadas de directum.
V.
Panorama
das definições
a. Platão (427-348 a.C.)
Para Platão, o direito significa a busca pela justiça. O princípio
fundamental era dar a cada um aquilo que
merece. Ou seja, para Platão, o direito deveria seguir como regra aquilo
que era justo. Entretanto, o conceito de justiça para Platão estava atrelado à
definição de justiça da época. Ele acreditava que existiam três tipos de
natureza humana:
§ Pessoas
movidas pelo desejo. Aqueles menos
dotados de conhecimento intelectual, que seria o “povo”;
§ Pessoas
movidas pela coragem. Militares e
pessoas de escalão intermediário; e
§ Pessoas
movidas pela razão. Que eram os
filósofos extremamente valorizados naquela época.
Dentre
essas naturezas, o direito deveria ser exercido em conformidade com essa
hierarquia. Esse era o critério de justiça que deveria ser buscado, na opinião
de Platão. O Estado seria então, o encarregado de garantir esse princípio.
b.
Aristóteles (384-322 a.C)
Segundo
Aristóteles, o Estado define o que é o
direito, devendo empregar o critério de justiça. Sendo o direito justo
quando zela pelos interesses da coletividade e, principalmente, quanto trata de
maneira igual aqueles que se encontram em situações semelhantes.
Em
seus estudos, em particular, na obra Ética
a Nicômacos no livro V, Aristóteles
desenvolveu que existiam duas formas de igualdade:
§ Justiça
Comutativa (ou sinalagmática/aritmétrica) que consistia em fazer justiça com a
mesma medida (“um por um”); e
§ Justiça
Distributiva (ou atributiva/geométrica) que se trata de uma forma mais elevada
de justiça, como definia Aristóteles. Basicamente seria estabelecer a medida da
justiça a partir da posição social do indivídio. De certa forma, esse tipo de
justiça contribuiu para legitimar a desigualdade social da época.
c. Ulpiano
Ulpiano
foi jusriconsulto
em Roma, e, segundo ele, o direito era o
mesmo para todos. Mas existem três
tipos de direito, eles são:
§ Jus naturale ou
direito natural, que se refere a um direito inerente a todos os seres vivos;
§ Jus gentium ou direito
das gentes, aplicável a todos os seres humanos; e
§ Jus civile ou
direito civil é o direito que abrange apenas aqueles que são considerados
cidadãos de dada sociedade.
d. Celso
Celso
também foi jurisconsulto em Roma assim como Ulpiano. Entretanto, Celso definia
o direito como sendo a arte do bom e do
justo: (ius est ars boni et aequi). Como
não há nenhuma explicação do que ao certo Celso queria dizer com isso,
acredita-se que ao dizer que o direito é uma arte do bom e do justo está se
referindo ao modo com que as decisões no âmbito do direito são tomadas sempre
com objetivo de alcançar a justiça e os vários caminhos realizados para isso,
poderiam então ser considerados uma arte.
e. Thomas de Aquino (1225-1274)
Em
pleno período feudal, Thomas de Aquino, teólogo italiano e católico, não
poderia definir o direito de modo diferente se não relacionado à existência de
divina. Para Aquino, o direito escrito e estatuído (lex positivum) deveria obedecer
as leis de Deus, a lei eterna (lex
aeterna).
Pois,
Aquino definia as leis como os
mandamentos da boa razão. Sendo formuladas e impostas pelo monarca (tido
como aquele que zela pelo bem da comunidade). Se tais leis não estivessem em
conformidade com a lei eterna, seria essa corrupta, tirânica e perversa. O que
dificilmente acontecia, pois, na Idade Média, o príncipe era considerado o
representante de Deus na terra, todas as decisões que ele tomava eram vistas
como a vontade de Deus.
f. Thomas Hobbes (1588-1678)
Hobbes
defendia que o direito é aquilo que é
imposto pelo Estado. Sendo o poder do Estado imprescritível.
Em
sua obra O Leviatã, Hobbes defende que os homens possuem um estado de natureza
perverso, na qual eles vivem em um sistema anárquico onde cada um objetiva
apenas seus interesses e desejos pessoais. É o que ele chama de “guerra de
todos contra todos”. Sendo assim, é necessária a existência do Estado, que
estabeleceria com a sociedade um contrato social ou pacto de sujeição: onde os
indivíduos entregariam sua liberdade para o Estado e em troca receberiam
segurança.
Desse
modo, Hobbes acreditava na ideia de que ainda que tirânico e devasso o direito
imposto pelo Estado deveria ser obedecido para o bem da humanidade. Na perspectiva
hobbeana, o direito é o que garante a organização da sociedade afastando dos
indivíduos o estado devasso de natureza do homem. Por isso, o direito positivo
possuía uma posição de superioridade em relação do direito natural.
g. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Rousseau
rejeitava a concepção de Hobbes, para ele o contrato social do qual o autor
falava era uma visão autoritária. Para ele, deveria existir um contrato social
na qual o povo possa expressar sua soberania, garantindo a ordem e a segurança
sem a abolição de suas liberdades.
Para
Rousseau, o direito é o produto de uma
vontade política de mudança, não é o Estado que determina o poder e sim a
sociedade.
h. Immanuel Kant (1724-1804)
Para
Kant o direito era a soma das condições
pelas quais o arbítrio de um pode conviver com o arbítrio de outrem, segundo
uma lei individual de liberdade. Ou seja, devemos fazer aquilo que
gostaríamos que outros fizessem. Essa seria a regra de ouro definida por Kant
como o modo com o qual o direito deve ser definido.
Kant
alegava que o direito positivo só seria aceitável se obedecesse a essa regra de
ouro.
i.
Georg
W. Friedrich Hegel (1770-1831)
Hegel
afirma que não há possibilidade de definir o direito como algo imutável ao
tempo ou espaço. Ele reconhece a relatividade histórica das definições de
direito. Por isso, ele defende a existência de um espírito do mundo.
Basicamente seria a crença de que apesar do direito sofrer perpétuas transformações
ao longo do tempo ele possui um espírito, que reflete os ideais da humanidade.
j.
Hans
Kelsen (1881-1973)
Jurista
austríaco de muito reconhecimento no meio jurídico, Hans Kelsen é autor da obra
Teoria Pura do Direito, com sua
primeira edição no ano de 1934. Judeu em plena perseguição nazista no período
da segunda guerra mundial, Kelsen demonstrou seu posicionamento em prol ao
jurispositivismo ao alegar que o ordenamento jurídico alemão é um conjunto de
normas válidas.
O
contexto histórico na qual Hans Kelsen viveu era de um período em que o direito
era utilizado como instrumento de dominação, através dos interesses ideológicos
e políticos. Isso o levou a defender que o direito deveria ser puro, sem a
influência da sociologia, filosofia, teologia, política e demais disciplinas.
Como cientista, Kelsen desenvolveu um método, que seria a teoria pura do
direito, através de uma análise do direito como objeto. Aqueles como, por
exemplo, juristas e estudiosos que vivenciam o direito reconhecem que na prática
o direito não está ileso, ele sofre influências. Kelsen por ter vivenciado um
período em que o direito foi extremamente ideologizado e utilizado como
instrumento de dominação, defendia que a tarefa jurídica é a de explicar como
funciona o ordenamento jurídico e para isso não deveria haver interferência no
seu estudo, pois a ciência jurídica não trabalha com o que é real, mas com o
que deve ser.
Kelsen
acreditava também que o direito era reconhecido pela sua capacidade de coação.
As pessoas obedeciam à norma, pelo simples fato de lei ser lei.
Outra
teoria desenvolvida por Hans Kelsen foi à pirâmide escalonada ou normativa. Na
qual as normas inferiores devem ser conforme as superiores.
k. Karl Marx
Karl Marx definia o direito como conjunto de normas que servem como forma de
dominação social. Na visão marxista,
o Direito não seria uma ciência, mas um instrumento de dominação da burguesia
sobre o proletariado. Com uma ideia de que o direito atinge somente os mais
vulneráveis e não o interesse comum. Para ele, mais ou menos garantias
trabalhistas, por exemplo, não abolem o fato de que o proletariado é explorado.
Sendo a sociedade capitalista marcada pela desigualdade a partir da figura do
DOMINADO E DOMINADOR.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 6ª
revisão atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014
O QUE É DIREITO? – Introdução ao
Estudo do Direito – Mascaro. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Hbf_6KB2p9g&list=PLUwkoDInsefN2_65EgoFVrupYKn2-bQkX&index=2>
Acesso em 24 de Novembro de 2015.
MASCARO, Alysson
Leandro. Introdução ao Estudo do
Direito. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2013.